As táticas duras de Ellison na Warner Bros. abriram espaço para a Netflix

Sede da Netflix em Los Angeles. Foto: Bloomberg

Na noite de 3 de dezembro, advogados do escritório Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan enviaram uma carta à Warner Bros. Discovery Inc. expressando “sérias preocupações quanto à justiça e à adequação” do processo de venda da companhia. O cliente era David Ellison, presidente e CEO da Paramount Skydance Corp., que vinha negociando com a Warner Bros. havia meses e temia que o negócio estivesse escapando de suas mãos.

O CEO da Warner Bros., David Zaslav, e seus assessores foram pegos de surpresa. Eles acreditavam ter conduzido um processo justo. Zaslav havia se reunido ou falado com Ellison ao menos seis vezes nos dois meses anteriores. Mais cedo naquele mesmo dia, a equipe da Paramount havia sinalizado que enviaria uma proposta revisada à Warner Bros. Em vez disso, a empresa recebeu uma ameaça jurídica.

Horas depois, o círculo mais próximo de Ellison percebeu que havia cometido um erro. Alguns sequer sabiam que a carta seria enviada, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. Assessores de Ellison entraram em contato com seus pares na Warner Bros. e disseram que a carta havia sido “inútil”, de acordo com um documento protocolado. Na manhã seguinte, a Paramount apresentou sua proposta revisada — a sexta — e Ellison enviou uma mensagem a Zaslav comentando a oferta. Sem resposta, voltou a escrever.

“Por favor, saiba que, apesar do ruído das últimas 24 horas, tenho apenas respeito e admiração por você e pela empresa”, escreveu. “Seria a honra de uma vida ser seu parceiro e o proprietário desses ativos icônicos.” Zaslav novamente não respondeu.

Já era tarde demais.

A decisão do conselho e a entrada da Netflix

Naquela noite, o conselho da Warner Bros. decidiu vender o estúdio homônimo e o negócio de streaming HBO Max para a Netflix Inc. Durante os três meses anteriores, a investida de Ellison sobre a Warner Bros. parecia um fato consumado. Mas o esforço caótico de última hora da Paramount foi apenas um entre vários erros que enfraqueceram Ellison e abriram espaço para um concorrente. Assim, a Netflix — uma forasteira do Vale do Silício que havia transformado o setor ao longo das duas últimas décadas — concordou em adquirir um dos estúdios mais antigos e admirados da indústria do entretenimento.

Ellison, filho do cofundador da Oracle Corp., Larry Ellison, ainda não está fora da disputa. Ele apelou diretamente aos acionistas com uma oferta de US$ 30 por ação, na esperança de que eles revertam a decisão do conselho. Também pode elevar sua proposta e usar a relação de seu pai com o presidente Donald Trump para pressionar reguladores a intervir e barrar o acordo com a Netflix.

“Os Ellison são inteligentes e agressivos”, afirmou Kevin Mayer, ex-diretor de estratégia da Walt Disney Co., em entrevista à Bloomberg TV. “Acho que eles voltarão com uma oferta mais alta. Os acionistas ainda não se manifestaram.”

Um caminho cada vez mais incerto

Após meses insistindo que era o único capaz de fechar o negócio, Ellison agora enfrenta um caminho incerto para adquirir ativos que, segundo a maioria dos analistas, são essenciais para revitalizar sua empresa. As ações da Warner Bros., que dispararam quando a Paramount fez a primeira abordagem, acumulam queda de 15% no último mês, à medida que os acionistas passaram a temer que o acordo estivesse escapando.

Há mais de um ano, Ellison e seus aliados discutem a compra da Warner Bros., mesmo antes de concluir sua negociação anterior. Em agosto, Ellison gastou US$ 8 bilhões para assumir o controle da Paramount, ciente de que se tratava de um ativo fragilizado. A empresa, dona do estúdio homônimo, além de MTV e Nickelodeon, sofreu anos de má gestão que drenaram os recursos necessários para competir no streaming. Suas redes de TV a cabo, responsáveis por quase todo o lucro, estão em declínio terminal.

Ellison acreditava que sua visão e ambição, apoiadas nos vastos recursos financeiros da família, dariam à Paramount a chance de se reerguer. Mas ele também sabia que a virada levaria anos. Uma fusão com a Warner Bros. lhe daria escala para competir no mais alto nível.

Resistência interna e ofertas rejeitadas

Produtor de filmes como Top Gun: Maverick e a franquia Missão: Impossível, Ellison percebeu que Zaslav relutaria em vender. O CEO da Warner Bros., de 65 anos, conhecido por sua energia constante, gostava de comandar um dos grandes estúdios de Hollywood. Mesmo com as ações da empresa em baixa, Zaslav transmitia confiança. Em vez de vender a companhia e admitir derrota, ele e o conselho optaram por dividi-la em duas. Ellison chegou a considerar uma oferta hostil, mas preferiu negociar diretamente com a gestão.

Em 11 de setembro, a intenção de Ellison de comprar a Warner Bros. vazou para a imprensa, pegando Zaslav de surpresa. Ainda assim, defensor histórico da consolidação do setor, ele se reuniu com Ellison em 14 de setembro para discutir um possível acordo. Ellison ofereceu US$ 19 por ação.

No mês seguinte, o conselho da Warner Bros. recebeu e rejeitou três propostas, alegando preço insuficiente, endividamento excessivo da Paramount e forte risco regulatório. Parte do pagamento seria feita em ações, embora a família Ellison controlasse a nova empresa. Ainda assim, Ellison seguiu insistindo em reuniões. Zaslav e seu aliado de longa data, John Malone, chegaram a se encontrar com Larry Ellison. Os Ellison ofereceram a Zaslav um cargo na empresa combinada e centenas de milhões de dólares em remuneração adicional.

A virada do processo e a ofensiva final

Em meados de outubro, o conselho concluiu que não poderia mais conduzir o processo de forma privada. Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, e Brian Roberts, CEO da Comcast Corp., manifestaram interesse. Em 21 de outubro, a Warner Bros. anunciou oficialmente uma revisão estratégica.

Enquanto isso, a Paramount demonstrava confiança, afirmando ser a única capaz de obter aprovação em Washington e que o presidente favorecia a empresa. Analistas e imprensa reforçavam a percepção de que a compra era inevitável.

O conselho da Warner Bros., porém, via a Paramount como uma parceira difícil: pedidos de acesso excessivo a dados, tentativas de contato direto com conselheiros, exigências de exclusividade e restrições severas à gestão da empresa após o acordo.

Além disso, nenhuma das cinco primeiras ofertas da Paramount superou os termos financeiros da Netflix, que ofereceu US$ 27,75 por ação, em dinheiro e ações, após a cisão dos canais a cabo.

A disputa segue aberta

Ellison apelou diretamente aos acionistas em 8 de dezembro, pedindo que entregassem suas ações à sua oferta. Paralelamente, a Paramount passou a argumentar que o acordo com a Netflix seria anticompetitivo e prejudicial ao ecossistema de entretenimento, criando um “monopólio intransponível” no streaming.

Apesar disso, o conselho da Warner Bros. recomendou a rejeição da proposta, afirmando que as sinergias projetadas tornariam Hollywood “mais fraca, não mais forte”.

Enquanto Warner Bros. e Netflix avançam como se o negócio estivesse fechado, Ellison segue tentando reverter o jogo. “Isso ainda não acabou”, afirmou Alex Fitch, gestor da Harris Associates, um dos maiores acionistas da Warner Bros.

Ellison mantém sua ofensiva, apostando que os acionistas ainda podem mudar o rumo da história.

© 2025 Bloomberg L.P.

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