“Eu sou uma exceção”: Gil do Vigor avalia trajetória e critica meritocracia

A meritocracia não funciona, especialmente em um país tão desigual como o Brasil. É o que acredita Gilberto Nogueira, o Gil do Vigor do Big Brother Brasil 21, que compartilhou sua visão crítica sobre o termo em uma conversa exclusiva com o InfoMoney Entrevista. O tema está intrinsecamente ligado à sua trajetória pessoal e acadêmica e, segundo o Gil, a ideia de que o sucesso depende exclusivamente do esforço individual não se sustenta diante das profundas desigualdades estruturais que marcam a sociedade brasileira.

Ao ser questionado se sua trajetória não atesta a favor da meritocracia, Gil foi enfático: “Não, atesta não”. Hoje economista e às vésperas de concluir um PhD na Universidade da Califórnia de Davis, Gil relembrou as inúmeras dificuldades que enfrentou, como a luta por uma vaga de emprego para a qual era o mais qualificado, mas que acabou sendo concedida a outra pessoa com melhores condições de preparo, como aulas de inglês e acesso a escolas de maior qualidade.

Essa é uma das experiências o levou a refletir sobre como a desigualdade social cria barreiras invisíveis, mas poderosas, que fazem com que muitos precisem se esforçar mais do que outros para alcançar o mesmo resultado.

“Em uma corrida, todo mundo está na mesma linha de saída, certo? Na meritocracia, quem correr mais rápido, chega. Mas o que a gente vive na desigualdade? A desigualdade pega você e coloca lá atrás. Para ganhar essa corrida, você vai ter que correr três vezes mais rápido que todo mundo”.

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Apesar de reconhecer sua própria superação, Gil é claro ao afirmar que sua história é uma exceção e que não deveria ser necessário passar por tantas dificuldades para alcançar oportunidades básicas. Ele destaca o papel fundamental das políticas públicas, como o Bolsa Família, que foram decisivas para que pudesse continuar estudando e sonhando:
“Eu sou produto das políticas públicas que fizeram com que o caminho não fosse tão mais árduo, mas ainda assim foi muito. E isso é injusto”.

Além disso, Gil ressalta a importância de garantir igualdade de oportunidades para que o esforço individual possa, de fato, ser recompensado. Ele critica um sistema que desmotiva pessoas qualificadas, mas que não têm acesso às mesmas condições de preparo e recursos. “As oportunidades precisam ser iguais para todo mundo. Exceções vão existir, mas não é obrigação das pessoas terem que se lascar a vida inteira para conseguir algo enquanto outras conseguem com facilidade”.

Confira abaixo alguns dos trechos mais importantes da entrevista:

InfoMoney: Gil, a grande maioria do país te conhece por causa do BBB, mas nem todo mundo sabe por que você entrou no reality. Qual foi o motivo?

Gil do Vigor: A fama acabou acontecendo, mas não era o que eu queria. Eu estava aplicando para o PhD e deixei claro que não entraria para ficar famoso. Meu objetivo inicial no Big Brother era conseguir dinheiro para estudar. Um momento que mudou minha perspectiva foi quando minha mãe pegou Covid e não tínhamos plano de saúde. Fiquei muito fragilizado ao ver que, mesmo trabalhando, fazendo doutorado, eu não tinha condições de pagar um plano para ela. E naquele período da Covid foi a ciência que salvou as pessoas. Eu estava meio revoltado. Queria mostrar que a pesquisa salva vidas e que as pessoas precisam valorizar a ciência e a educação. Então, meus objetivos quando entrei no programa eram o dinheiro para estudar e falar sobre a importância da educação e da ciência.

InfoMoney: Eu queria que você falasse do seu currículo Lattes: quais são suas formações e qualificações?

Gil do Vigor: Eu me formei em Economia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fiz mestrado também na UFPE e iniciei um doutorado lá, que não terminei para fazer o PhD na Universidade da Califórnia em Davis. Durante o PhD, fui convidado para um período de pesquisa na Universidade de Chicago. Tenho mais de cinco artigos, alguns premiados, e sou revisor do Journal of Development Economics, o maior periódico da área. Também tenho conhecimento em programação.

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InfoMoney: Quais temas econômicos você considera urgentes para entrar no debate popular?

Gil do Vigor: Precisamos debater a escassez, não só de dinheiro, mas de oportunidades. A meritocracia não funciona no Brasil porque as oportunidades não são iguais. Políticas públicas de inclusão são essenciais para garantir que o esforço seja recompensado. A desigualdade social desmotiva as pessoas, mesmo as qualificadas, porque elas não têm as mesmas condições de preparo.

InfoMoney:  Gil, você passou muitas dificuldades financeiras em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife. E, depois do BBB, você construiu uma casa de alto padrão em um condomínio na mesma cidade. O que passa na sua cabeça sobre essa ascensão?

Gil do Vigor: Passa muita coisa, um filme. Eu e minha mãe fomos visitar a casa onde moramos antes de mudar para o condomínio e choramos juntos. A educação me salvou. Tem gente que diz que foi a fama, mas foi a educação. Eu já pedi dinheiro na rua junto com a minha irmã Janiele e hoje tenho uma casa.

Eu vim de escola pública, estudei muito, mesmo sem recursos, e consegui superar muitas dificuldades. E quando não tinha professor eu procurava uma biblioteca, eu procurava livros de matemática dentro do lixo. Porque era uma coisa dentro de mim que parecia que me consumia, eu precisava aprender. Sempre tive uma fome de conhecimento e sonhava em ser rico, mesmo que minha mãe dissesse que era um sonho distante.

Nunca tive dinheiro para pagar um curso de inglês. Eu estudava à noite, porque eu trabalhava das 8h até 17h30. Eu saía de casa de 6h30. Só que para você sair de casa às 6:30, precisa acordar 5h40. Mas as aulas da faculdade acabavam 22h, então eu chegava em casa meia-noite e precisava estudar até 2 da manhã. Eu tinha três, quatro horas de sono todos os dias. E no final de semana, quando eu queria dormir, eu precisava estudar.

Consegui acessar a universidade pública sem cursinho preparatório para vestibular, e passei muito bem colocado. Depois consegui entrar no mestrado na base da raça. Eu consegui passar no TOEFL, que é uma uma uma prova de proficiência em inglês, sem ter feito uma aula de inglês.

Então, eu venci. Fui aprovado para um dos melhores programas de PhD do mundo antes de ir para o BBB. Fazer PhD com dinheiro seria mais fácil. Me tirou de muitos perrengues. Mas tenho certeza que estaria com o meu título de PhD da mesma forma, com um emprego nos Estados Unidos, ganhando o quê? Uns 200 mil dólares por ano – que, para quem já pediu dinheiro na rua, significa vencer na vida.

InfoMoney: Mas você não acha que sua trajetória atesta a eficácia da meritocracia para algumas pessoas?

Gil do Vigor: Não atesta, não. Eu me lasquei muito. Tem a história do emprego que eu contei. Há quem diga que eu cheguei lá porque eu mereci. Só que isso significa que todo mundo que não tem acessos como eu vai ter que sofrer, porque eu sofri muito. E isso é injusto. 

Em uma corrida, todo mundo está na mesma linha de saída, certo? Na meritocracia, quem correr mais rápido, chega. Mas o que a gente vive na desigualdade? A desigualdade pega você e coloca lá atrás. Para ganhar essa corrida, você vai ter que correr três vezes mais rápido que todo mundo.

Eu sou uma exceção, e não é justo que as pessoas tenham que sofrer tanto para conseguir algo. Eu consegui a base de muito choro, vivendo muita coisa que eu não precisava ter vivido, que a desigualdade colocou em cima de mim. Imagine se eu tivesse conseguido o emprego. Eu teria como pagar um curso de inglês e talvez toda a minha trajetória durante o PhD ter sido muito mais fácil. Porque eu aprendi inglês no YouTube, para fazer uma prova. Eu não conseguia me comunicar, não conseguia fazer pergunta dentro da sala, por vergonha. Então, para ter o rendimento que eu conquistei, eu tive que ter muito peito, sabe?

E aí tem tem quem diga “Ah, mas então qualquer pessoa consegue”. Não consegue. Porque não é obrigação das pessoas terem que se se lascar a vida inteira para conseguir algo enquanto que outras pessoas conseguem com facilidade. Imagine se em algum momento da minha vida eu tivesse cansado, ou então, se eu não tivesse o acesso ao Bolsa Família, porque a gente estava passando uma fome arretada. As oportunidades precisam ser iguais para todo mundo. Exceções vão existir na vida inteira. Por isso que eu falo que eu sou uma exceção.

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