A Cúpula do Mercosul, marcada para o próximo sábado (20), em Foz do Iguaçu (PR), era considerada o “Dia D” para destravar o acordo comercial do bloco com a União Europeia (UE). Após quase três décadas de negociações, o evento estava cercado por uma mistura de otimismo cauteloso e forte tensão política.
Mas, nesta quinta-feira (18), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, informou a líderes do bloco que a assinatura do acordo seria adiada, segundo a AFP, para janeiro.
Mas, afinal, como chegamos até aqui?
Pressões por todos os lados
De um lado, governo brasileiro pressionava pela assinatura do acordo neste sábado, na Cúúla do mercosul. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu um ultimato aos negociadores, sinalizando que, caso o pacto não seja selado agora, o Brasil adotaria uma postura mais rígida nas relações com o bloco europeu.
Segundo a AFP, a Comissão Europeia queria que o pacto, que criaria a maior zona de livre comércio do mundo, fosse firmado nesta semana. O plano, no entanto, foi alterado.
Isso porque, de outro lado, França e Itália pressionavam o parlamento da União Europeia para proteger os produtos agrícolas, que poderiam sofrer com a concorrência brasileira. Os debates sobre o tema foram retomados nesta quinta, durante reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas, que segue até esta sexta (19).
Avanços e retrocessos
A pressa do governo brasileiro reflete o esgotamento de um processo que remete aos anos 1990, quando as estratégias de negociação em bloco ganharam força e os países estavam mais dispostos a abrir mão de um certo protecionismo para se beneficiar das livres fronteiras. As negociações entre o Mercosul e a União Europeia começaram em 1999, foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010.
Em junho de 2019, houve a primeira assinatura do acordo – comemorada como vitória histórica pelo presidente do Brasil à época, Jair Bolsonaro. Mas, só a assinatura não fazia o acordo valer do dia para a noite. Era preciso, ainda, traduzir o documento e ratificar nos parlamentos de todos os países do grupo. Foi aí que apareceram alguns obstáculos no caminho e diversos países pediram revisão dos termos. O acordo se desfez, e teve que ser renegociado.
Segundo Marcos Troyjo, embaixador que participou das negociações até 2019, o processo não andou devido aos incêndios florestais e à pandemia. Os incêndios recordes em agosto de 2019 – dois meses após a assinatura do acordo – levantaram a opinião pública negativa nos países da UE, e levaram os europeus a pedirem mais garantias ambientais.
Depois, os mandatos dos governos de linha econômica mais liberais, que atuaram na assinatura do acordo, chegaram ao fim, e alguns países elegeram governantes mais protecionistas. “Foi a oportunidade que países que não tinham pleno apoio ao acordo, como França, Polônia, Áustria, usaram para questionar os termos do acordo”, explica Troyjo.
Enquanto pressionavam, veio ainda a pandemia na virada para 2020. “Aquilo que era para ser um processo que nós achávamos que ia ocorrer de maneira mais ágil, acabou sendo atrasado”, diz Troyjo.
Um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA) avaliou que o acordo de 2019 traria ganhos para o agronegócio, com aumento de produção e emprego em quase todos os setores, mas com impactos na indústria como máquinas e equipamentos; equipamentos elétricos; têxteis; e produtos de metal, segundo a nota técnica, assinada por Fernando Ribeiro, Admir Betarelli Junior e Weslem Faria.
Novas negociações
Em 2024, com a eleição de Donald Trump ao governo dos EUA, a União Europeia entendeu que o mundo havia mudado e que novas parcerias comerciais poderiam ser mais vantajosas, explica Alexandre Lucchesi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre América Latina no Observatório de Política Externa Brasileira (Opeb), vinculado à Universidade Federal do ABC (UFABC). O acordo ganhou ainda mais impulso com as tarifas recíprocas de Donald Trump, anunciadas em abril deste ano.
Nesta nova fase, de renegociação, o governo Lula buscou proteger setores da economia que haviam sido liberalizados, segundo Lucchesi.
Para Troyjo, a atual versão “é menos abrangente e menos ambiciosa que aquela de 2019”. “As negociações aumentaram as salvaguardas, ou seja, o espaço que os europeus têm para tentar argumentar que esse ou aquele produto oriundo do Mercosul cumpre ou não cumpre com os seus próprios critérios ambientais”, avalia Troyjo.
“Mas é melhor ter o acordo do jeito que está agora sobre a mesa do que não ter”, diz. A espera por este acordo, no entanto, seguirá em aberto até janeiro de 2026.
Setores beneficiados
O especialista em comércio exterior Jackson Campos destaca que o grande trunfo da união entre os blocos está no aumento da oferta e da qualidade dos produtos.
Em saúde, a redução de tarifas para equipamentos médicos e medicamentos de alta tecnologia tem o efeito de baratear tratamentos e modernizar o sistema de saúde brasileiro. No setor automotivo, pode haver uma queda nos preços de veículos importados e, simultaneamente, facilitar o acesso de fabricantes brasileiros a componentes europeus de ponta.
No agronegócio, poderia haver ganhos substanciais em setores como carnes de suínos e aves (aumento de US$ 2,57 bilhões no saldo comercial), açúcar (US$ 170,4 milhões) e frutas e vegetais, segundo Campos. Em vinhos e queijos, os produtos europeus que hoje chegam com preços elevados podem se tornar mais acessíveis, aumentando a concorrência e forçando a indústria nacional a elevar seu padrão de design e qualidade.
Competitividade
Além disso, para Troyjo, o acordo funciona como um incentivo, e os melhores efeitos viriam da concorrência ampliada e de uma cascata de impactos difíceis de mensurar.
“Quando você tem um acordo dessa dimensão, parte dos efeitos positivos se dá no comércio, e outra parte muito importante está no investimento”, afirma.
Como exemplo, ele cita uma empresa que atua no setor de vinhos. “Não se trata de sermos inundados por vinhos europeus, mas de termos melhores condições de comprar garrafas, rolhas. Aumenta o consumo daquele produto nos vários países, então o custo marginal cai. Você tem mais uma oferta, o que acaba criando melhores opções ao consumidor. Aumenta o número de vinhos nas cartas dos restaurantes, aumenta o número de vinhos nas compras dos supermercados, aumenta a demanda por sommeliers”, explica.
Além disso, abre espaço para um grupo europeu que investe em uma vinícola no Mercosul, por exemplo, ou para atuar na forma de joint venture, são criadas novas empresas, diz Troyjo. “Você tem um efeito multiplicador, na minha opinião, positivo, que vai muito além do comércio e que acaba também tocando nessas áreas de investimento, de compartilhamento de técnicas administrativas, compartilhamento de tecnologia, você abre novos mercados”, avalia.
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