Após mais de duas décadas de negociações, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia entrou nesta semana em uma fase decisiva, cercada por resistências políticas, pressão de agricultores europeus e manifestações em Bruxelas.
Entre esta quinta-feira (17) e sexta-feira (18), os governos dos 27 países da UE discutem no Conselho Europeu se autorizam ou não a Comissão Europeia a avançar para a assinatura do texto final, prevista para sábado (20), durante a cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu.
O acordo envolve Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, pelo lado do Mercosul, e os 27 países da União Europeia. O texto prevê a redução gradual de tarifas e a ampliação do acesso a mercados, mas só poderá entrar em vigor após aprovado internamente pelos países europeus e sul-americanos.
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O temor da categoria é que o acordo prejudique sua subsistência, além de preocupações políticas de que a medida possa impulsionar o apoio à extrema-direita
O momento é considerado crucial porque o processo saiu do campo técnico e passou a ser dominado por disputas políticas internas nos países europeus. França e Itália lideram as objeções, enquanto Alemanha, Espanha e Portugal defendem a ratificação.
Resistência de agricultores
O principal foco de bloqueio vem do setor agrícola europeu, especialmente na França e na Itália. Produtores desses países afirmam que o acordo abrirá espaço para a entrada de alimentos do Mercosul a preços mais baixos e produzidos sob regras ambientais diferentes das exigidas na União Europeia. O temor é de perda de competitividade e de pressão sobre os preços internos.
Nesta quinta-feira, agricultores voltaram às ruas de Bruxelas para protestar contra o tratado, repetindo mobilizações que já haviam ocorrido em outros momentos do ano. Tratores bloquearam vias próximas às instituições europeias, e entidades do setor pressionaram seus governos a rejeitar ou adiar a assinatura do acordo.
A pressão interna explica a postura cautelosa de líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, que condiciona o apoio francês à inclusão de novas salvaguardas. A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, afirmou que a assinatura seria prematura e pediu mais tempo para convencer os agricultores italianos.
Salvaguardas não convencem
Em tentativa de destravar o acordo, o Parlamento Europeu aprovou nesta semana um conjunto de salvaguardas agrícolas que passou a integrar o texto. As medidas permitem à União Europeia suspender benefícios tarifários caso haja risco de desestabilização do mercado interno.
Entre os principais pontos estão a possibilidade de reintroduzir tarifas se os produtos do Mercosul ficarem pelo menos 5% mais baratos do que os europeus ou se o volume de importações crescer mais de 5% em média. Também houve redução dos prazos de investigação e flexibilização dos critérios para acionar as barreiras.
Apesar disso, Paris sinalizou que as salvaguardas ainda são insuficientes. A França chegou a pedir o adiamento da assinatura, o que elevou a tensão diplomática e colocou em dúvida o cronograma previsto para este fim de semana.
Lula ameaça encerrar negociações
Do lado do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) elevou o tom. Em declarações públicas, afirmou que o impasse é resultado de problemas políticos internos na França e na Itália e alertou que, se o acordo não avançar agora, o Brasil não retomará negociações semelhantes enquanto ele estiver na Presidência.
Nesta quinta-feira (18), Lula disse ter conversado por telefone com Giorgia Meloni, que pediu prazo adicional para costurar apoio interno. Segundo o presidente, a primeira-ministra italiana afirmou não ser contra o acordo, mas enfrenta dificuldades políticas domésticas.
Lula indicou que levará o pedido aos demais países do Mercosul para decidir se aguardam mais tempo ou mantêm o cronograma atual.
Conselho Europeu concentra risco de veto
Com a aprovação das salvaguardas no Parlamento, o processo depende agora do aval do Conselho Europeu. Para avançar, é necessária uma maioria qualificada: pelo menos 15 países que representem 65% da população da UE.
França e Polônia já se colocaram contra o acordo, enquanto Bélgica e Áustria demonstram desconforto. A posição final da Itália é vista como decisiva para o desfecho.
Se houver aprovação, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deve viajar ao Brasil para assinar o tratado em Foz do Iguaçu. Caso contrário, o acordo pode ser novamente adiado, ampliando um impasse que já dura mais de 25 anos.
Acordo segue controverso
Embora o debate esteja concentrado no agronegócio, o tratado é mais amplo e envolve indústria, serviços, investimentos e propriedade intelectual. Setores industriais europeus, especialmente na Alemanha e na Espanha, veem ganhos estratégicos no acordo, tanto econômicos quanto geopolíticos, em um cenário de tensões comerciais globais e busca por diversificação de parceiros.
Para o Brasil, o acordo ampliaria o acesso a um mercado de cerca de 450 milhões de consumidores e reforçaria sua posição internacional. Ao mesmo tempo, traria desafios para a indústria nacional, que enfrentaria maior concorrência de produtos europeus, além de exigências ambientais mais rigorosas.
É justamente essa combinação de interesses econômicos, pressões políticas internas e disputas ambientais que mantém o acordo UE–Mercosul em suspenso, mesmo após mais de duas décadas de negociação.
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