Gilmar vota contra marco temporal e defende retomada das demarcações indígenas

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta segunda-feira (15) pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que impõe restrições às demarcações de terras indígenas e busca reavaliar áreas reconhecidas desde a promulgação da Constituição de 1988.

O voto foi apresentado no julgamento, em plenário virtual, de ações que questionam a lei aprovada pelo Congresso em 2023. O Supremo analisa quatro ações diretas de inconstitucionalidade contra a norma. Os ministros têm prazo até as 23h59 de quinta-feira para registrar seus votos no sistema eletrônico da Corte.

Conflito com decisões do próprio STF

Para Gilmar Mendes, o dispositivo que limita o reconhecimento de terras indígenas àquelas comprovadamente ocupadas em 5 de outubro de 1988 contraria entendimento já firmado pelo Supremo no mesmo ano em que a lei foi aprovada. Na ocasião, a Corte decidiu que o direito dos povos indígenas à terra tradicional não depende de um marco temporal fixo.

O ministro também afirmou que a regra viola a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, ao impor critérios que desconsideram expulsões, deslocamentos forçados e outras formas históricas de violência contra comunidades indígenas.

Críticas à insegurança jurídica

Gilmar classificou a lei como desproporcional e geradora de insegurança jurídica. Segundo ele, a exigência de comprovação de ocupação em 1988 impõe às comunidades indígenas um ônus probatório praticamente impossível de ser cumprido, sobretudo por povos que não dispõem de registros documentais formais.

No voto, o ministro afirmou que a norma tende a perpetuar conflitos no campo e a reabrir disputas que já deveriam estar pacificadas pelo Estado brasileiro. Para ele, a sociedade não pode conviver com feridas históricas que seguem sem solução décadas após a Constituição.

Demarcações em atraso

O ministro também apontou uma omissão inconstitucional do poder público ao lembrar que a Constituição previa a conclusão das demarcações indígenas em até cinco anos após 1988, prazo que jamais foi cumprido. Gilmar defendeu que a União seja obrigada a finalizar os processos ainda pendentes em até dez anos.

Além disso, considerou inconstitucional a proibição de ampliação de terras indígenas já demarcadas, ao sustentar que a própria Constituição garante a possibilidade de revisão de atos administrativos quando houver erro ou insuficiência na delimitação original.

Conciliação no Supremo

No voto, Gilmar Mendes se manifestou a favor da homologação da proposta elaborada por uma comissão especial de conciliação criada no próprio STF. Após 23 audiências com representantes indígenas, produtores rurais e autoridades públicas, o texto propõe maior participação de estados e municípios nos processos de demarcação e mais transparência nas etapas conduzidas pela Funai.

Para o ministro, a proposta deve ser encaminhada ao Congresso como base para um debate legislativo mais equilibrado e menos conflituoso.

“É cediço que todo o processo de ocupação territorial brasileiro, desde a chegada dos portugueses em 1500, é permeado dessa vergonhosa forma de apropriação do território inicial e integralmente indígena, na maioria das vezes realizada, historicamente, por meio de violência, intimidação e mortes. Essa realidade – dura e nefasta – não pode ser tolerada e repetida hodiernamente”, disse o ministro no voto. 

Pressão do Congresso continua

Enquanto o Supremo julga a constitucionalidade da lei de 2023, o Senado aprovou na semana passada uma proposta de emenda à Constituição que fixa o marco temporal na própria Carta Magna.

O texto ainda será analisado pela Câmara dos Deputados e, se aprovado, poderá ser promulgado sem sanção presidencial.

A estratégia do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, é elevar o marco temporal ao nível constitucional para dificultar uma eventual derrubada pelo STF.

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