13 anos após bomba ACME, Netanyahu consegue guerra contra Irã – e salva própria pele

Em setembro de 2012, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, arrancava risadas nervosas e olhares de espanto ao apresentar na Assembleia Geral da ONU o desenho de uma bomba, igual à dos desenhos do Papa-Léguas, representando os estágios do desenvolvimento nuclear do Irã, e uma linha vermelha, que não deveria ser ultrapassada.

— Neste momento, só há uma maneira de impedir pacificamente que o Irã obtenha bombas atômicas: estabelecer uma linha vermelha clara no programa de armas nucleares do Irã — disse. — Linhas vermelhas não levam à guerra, linhas vermelhas impedem a guerra.

Treze anos depois daquela fala, Netanyahu finalmente lançou a guerra que prometia no plenário, atacando ao menos 100 alvos dentro do Irã — incluindo a central nuclear de Natanz —, assassinando cientistas nucleares e matando as principais lideranças militares do país, incluindo os chefes das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária.

A resposta iraniana veio através de dezenas de mísseis, que causaram estragos em Tel Aviv e cidades no centro de Israel, mas ainda é cedo para afirmar um eventual agravamento das hostilidades jogará a região inteira em um conflito amplo e imprevisível. Contudo, para o premier , cuja maior característica é o instinto de sobrevivência, as primeiras bombas lhe deram muitos motivos para celebrar.

A começar pelos impactos à infraestrutura iraniana, mais extensos do que nos ataques preparatórios (agora se sabe que, de fato, o eram) do ano passado. Segundo informações iniciais, houve danos em Natanz, extensos na superfície mas que não devem inutilizar o local, uma vez que a maior parte das instalações está protegida sob a terra, e em locais ligados ao programa de mísseis balísticos e aos sistemas de defesa aérea. Em diferentes graus, levará tempo até que todos estragos sejam reparados.

A morte de cientistas nucleares, possivelmente atingidos por drones dentro de suas casas, também é um golpe duro às aspirações atômicas do país. Entre os mortos está Fereydoon Abassi, ex-chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, e que em 2010 havia sobrevivido a um atentado atribuído ao Mossad em Teerã. Instalações nucleares, por mais complexas que sejam, podem ser reconstruídas, mas repor o conhecimento acumulado por cientistas ao longo de décadas é algo bem mais complexo.

E a destruição de parte da cadeia de comando iraniana, com a morte de comandantes de alta patente, demonstra que o ataque não foi centrado apenas nas capacidades nucleares, mas sim na debilitação das capacidades de reação do regime. Ao matar o popular Qassem Soleimani, o chefe das Forças Quds, em 2020, o governo de Donald Trump queria abalar a capacidade iraniana de atuação com forças aliadas na região, especialmente no Iraque. Agora, Netanyahu atinge os pilares da coordenação de defesa e ataque da República Islâmica — com novos ataques e com a comprovação da fragilidade das forças locais e uma dose de sorte, ele pode ter plantado as sementes para um outro desejo seu de longa data: a mudança de regime. 

O primeiro-ministro também planejou a ação ao longo de oito meses, e deu o sinal verde para que os caças decolassem, pensando na própria sobrevivência. O momento foi escolhido à dedo.

Internamente, sua coalizão esteve perto de desmoronar esta semana, com partidos ultraortodoxos ameaçando deixar o governo em resposta à convocação de jovens religiosos, autorizada pela Suprema Corte no ano passado. Os aliados de Netanyahu conseguiram ganhar tempo com a promessa de uma nova legislação, que já começou a ser desenhada no Parlamento, mas que não tem data para ser aprovada. O apaziguamento permitiu ao governo sobreviver a um voto que poderia levar a eleições antecipadas.

Com a guerra, especialmente contra um inimigo que é consenso em Israel, e com a ameaça de retaliações potencialmente mais violentos do que os do ano passado, o país se uniu. Nas horas seguintes ao ataque, dois de seus rivais mais ferrenhos, Yair Lapid e Benny Gantz, expressaram apoio irrestrito à operação, dizendo que “estamos todos unidos contra nossos inimigos”. Seus problemas com a lei, e seu julgamento por corrupção que pode jogá-lo na prisão por até 10 anos, parecem temporariamente em suspenso.

 A ação, como apontou o jornalista israelense Gideon Levy, também afasta o foco interno da guerra em Gaza, que produziu uma catástrofe humanitária e na qual o governo de Netanyahu não conseguiu cumprir uma promessa aos seus cidadãos: o retorno dos reféns que ainda estão no enclave.

Em debate realizado pelo portal Democracy Now, Levy, que é colunista no jornal Haaretz, diz que uma guerra com o Irã seria “catastrófica”, e que a operação israelense seria “completamente esquecida”.

—Gaza continua sendo um local de banho de sangue, uma realidade terrível. No momento em que conversamos agora, mais de 100 pessoas foram mortas apenas nas últimas 24 horas em Gaza. Isso continuará agora — afirmou ao Democracy Now. — Se o mundo se concentrar apenas no Irã, esse massacre continuará dia após dia, e o sofrimento é insuportável.

 

A maior incógnita para o líder israelense vem de Washington. Ao menos publicamente, Trump não pareceu entusiasmado com as bombas caindo em várias cidades iranianas, e seu secretário de Estado, Marco Rubio, foi rápido ao afirmar que os Estados Unidos não participaram diretamente da ação — a Casa Branca não foi pega de surpresa, e foi informada sobre todos os passos.

Mas Trump estava certo de que conseguiria firmar um novo acordo nuclear com o Irã em breve, e chegou a expressar preocupação com a iminência de um ataque israelense, algo que fontes na Casa Branca dizem ter tido um certo jogo de cena. Uma nova rodada de conversas indiretas estava marcada para domingo, em Omã, e mesmo após os bombardeios o líder americano queria que Teerã concordasse em se sentar e aceitar seus termos, que incluem a suspensão de todas atividades nucleares, hoje algo similar a uma capitulação.

Netanyahu deixa claro que é contra qualquer tipo de negociação e acordo com as autoridades iranianas, tal como o foi avesso ao texto firmado em 2015, que impunha limites às atividades nucleares do Irã e foi respeitado até que Trump o rasgou, em 2018.

Se sua iniciativa fracassar e o Oriente Médio for envolvido em uma guerra de grande porte, não será apenas um, mais dois golpes na imagem do republicano. O primeiro contra sua fama de “grande negociador”, já questionada por sua inabilidade de obter uma trégua entre Rússia e Ucrânia e na recente esnobada de Kim Jong-un na Coreia do Norte. O segundo, mais existencial, contra seu discurso de que nenhuma guerra começa quando ele está sentado no Salão Oval.

Para Netanyahu, não parece ser um problema.

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